XII

Escrevo a você palavras
que jamais lhe serão ditas,
pois escuto os olhares,
a minha pele ouve.
Costuro poemas de gaveta
para passar o tempo.
Partes de dias e noites,
de terras estrangeiras
e pingos de chuva
que molham minha cabeleira ainda negra
pelo simples capricho
de acalmar os ânimos.
Um excesso!
Troco confidências com dálias boninas
que colho a essa hora da noite,
distante de tudo,
em algum parco jardim de subúrbio,
ainda subúrbio, ainda na lembrança.
Refaço o trecho entre dunas de areia,
pilhas de conchas brancas
e os pés de Nosso Senhor do Bonfim.
Que calor insuportável,
que saudade de mim!
Mas nada disso importa
e nada disso suporta
esse solstício fora de época.
Escuto o burburinho
o piscar de olhos,
o estalar de falanges,
de todas as falanges
de todos os dedos
de todas as mãos que nos percebem,
acariciam,
apontam ou,
simplesmente,
acenam um cordial até breve.
É mesmo verdade,
nada disso importa
ou importará um dia.
Importam-me as suas mãos,
o encontro dos seus cílios após as 23 horas,
os sonhos seus.
Importa-me
o que conseguirei escrever amanhã,
ou se jamais escreverei outra vez,
pois escrevo para que o seu espírito leia
e oriente o seu corpo
a como lidar com o meu,
assim como hoje,
para sempre.
Olhe-me nos olhos
e conte-me suas histórias
para que eu possa,
enfim, acordar.