Olá


Os 100 textos entre frases, poemas e cartas que lhes apresento são o resultado das minhas reflexões sobre os processos que permeiam a vida, em particular a minha vida. Foram intitulados com numerais romanos de I a C aleatoriamente, sem ordem cronológica, e trazem a memória de amores, percepções, saudades, cores, cheiros, texturas e fatos marcantes ocorridos desde a minha infância.
 
 
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Seja bem vindo.


I

Todo um movimento existe
entre a vida e a morte,
entre o despertar e o adormecer,
entre o sul e o norte,
entre o ignorar e o conhecer,
entre o Sol e a Lua,
entre a minha casa e o fim da rua,
entre a minha pele e a sua,
entre o meu sexo e o seu,
entre o seu desejo e o meu,
entre as páginas dos livros que você me deu,
entre nossas opções e verdades,
entre o nosso gostar sem vaidades,
entre decisões e vontades,
entre nossas dúvidas e acertos,
entre encontros e pretextos,
entre cada conta do terço,
onde sempre peço por você,
entre os meus olhos e o seu olhar
que me move a despertar
pro sentido da vida,
pro sentido de amar,
pra mulher que hoje sou,
pro doce homem a quem me dou.
E posto que movimento há,
entre o vinte e nove e o vinte e seis,
entre um não e um sim,
entre aquele abraço e o primeiro beijo,
entre o primeiro e todos os outros beijos,
entre agosto e agosto,
entre a minha língua e o seu gosto,
entre o céu e a terra,
eu por vezes terra, ora céu (assim espero),
já você, sempre a imensidão do céu,
dedico-lhe o meu melhor sorriso,
de um canto ao outro da minha gulosa boca
que simplesmente adora a sua.

II

Encontrei-me comigo na cidade do Sol.
O camafeu,
logo ali sobre a areia,
refletia a luz daquele Sol,
duzentos anos de conchavos,
acordos,
muita comida,
bebedeira e sexo.
Julgava-se o camafeu,
o planeta em si,
o sistema solar,
sem falsa modéstia.
À sede insuportável,
pró-seco rosa,
ou Champagne legítima,
napoleônica,
espumante,
historicamente festa e regalos.
Libélulas de asas translúcidas
bailavam aos pares por salões imperiais.
Pérolas, ouro, plumas, bege, branco, preto,
e tantos outros camafeus, patentes,
comendas e uns poucos crucifixos.
Olhos negros, olhos azuis e a saudade infinita
daqueles que são tão meus,
e que são tão verdes,
e que pedem tanto!
Precisei voltar para não perdê-los.
Acordei a tempo
de vê-los piscar mais uma vez,
lentamente.
Que espetáculo!

III

Escuta!
Alguém vem descendo a rua.
Passos fortes de algumas dezenas de tempo,
memórias de amor,
de recados e dedicatórias,
de fatos e fotografias,
de pétalas de rosas,
pequenos presentes,
solos de guitarra,
olhares atrevidos
e beijos roubados.

Escuta!
Alguém vem logo atrás.
Passos suaves de algumas centenas de tempo,
memórias de amor,
de poemas e dedicatórias,
de fatos e pinturas sacras,
de pétalas de dálias,
lenços perfumados,
solos de violino,
olhares furtivos
e beijos roubados.

IV

Era uma vez um galo comprido, magricelo e engraçado, que se apaixonou por um cão pavão todo aprumado. Lindo!
O cão papava mais canja que o galo.
Bicho danado! Bicho amado! Guloso...
Como sempre acontece, numa noite muito especial, a lua se foi lá no alto da estrada e o galo, mais uma vez, cantou pra se despedir da madrugada.
Percebeu quase ao apagar das luzes, que qualquer cachorro bobo ladra para a passarada, mas que seu amado cão fazia do mais esperto galo, galinhada.
Aquele era o perfil do seu cão pavão.
Bicho danado! Bicho amado! Guloso...
Constatou que estava mesmo frito e cedeu então aos encantos do cão.
Enfim, despediu-se daquele galinheiro e, deixando o poleiro pra lá, decidiu viver em vez de apenas sonhar.
O cão, que por sua vez já estava de olho naquele galo fazia tempo, achou aquela decisão o máximo. Ele nem se deu conta, mas já estava também no papo do galo.
Estava apaixonado!
Ajeitaram-se como puderam e foram felizes.
Não sei como, nem por quanto tempo, mas foram felizes, muito felizes!

V

Ao longe avistei um leão albino! Espreitava ele uma delicada perdiz, não menos branca, entre porções de ilhas flutuantes naquela imensidão de céu. Feriam os dois a vista, refletindo a intensa luz do Sol. Daqui a pouco, sumiram numa bruma intensa ao som de Vivaldi e, então, tudo tremeu! O medo voltou, segurei novamente a sua mão.
Detive-me a pensar, no quanto mais forte é você que o leão.
Imaginei como seria a luta entre um touro moreno e um leão albino àquela luz da manhã, bem debaixo de um
arco-íris, tendo o touro, São Jorge à sua guarda.
E a perdiz espiando desconfiada e só, naquela imensidão não menos solitária, amedrontadora e intensamente pacífica, eterna, divina!
A bruma envolveu tudo e, então, já não os vejo mais.
Ouço Clair de Lune e me lembro de nós dois, do mar da Bahia e de você cantando pra mim sob o clarão da Lua.
Aspiro a força daquelas cores e tons, daquele som e de todos os nossos sons e dos sentimentos que envolvem as lembranças que o trazem a mim... Inspiro-me de você.
Seguro ainda a sua mão esquerda, protegida ainda, por aqueles três nós bentos. Quanta saudade! Sabe, a sua mão nunca se separa da minha, assim como o seu cheiro que vem de mim, de dentro pra fora. E vai e volta, vai e volta, vai e volta... Adoro esse mimo!
Não consigo testemunhar essa luta sem chorar. É verdadeiramente dramática e emocionante!
No momento seguinte, Villa-Lobos acorda o meu corpo, provoca as minhas memórias, desafia-me e carrega consigo toda a bruma... Ela, a bruma, se vai e você fica,
está cravado em minha carne.
Amo-o impiedosamente, imensurável como as forças do touro e do leão.
Guardo só pra você a delicadeza da perdiz, a sensualidade das bachianas, a umidade da bruma, o calor do Sol, a luz da manhã e o clarão da nossa Lua.
A minha alma e o meu corpo o aguardam simultâneos e inseparáveis, em qualquer dimensão.
Voar, ver tudo de cima, não exclui o mergulho.
E o mergulho é tudo!
O mergulho é o todo!
Vem cá, dê-me a sua mão...

VI

A esperança é o termo que denomina a nossa total incapacidade para arbitrar sobre as nossas vidas.

VII

Quando percebi o sonho encontrara o hábito em uma noite interminável.
Tudo se fora, menos o vazio.
Talvez ainda restem sobras aqui ou ali, nós apertados, outros desfeitos...
Nossas contas caíram no ralo e já não consigo recuperá-las e, mesmo que eu conseguisse, não sei rezar o terço.
Amanhã cometerei os mesmos pecados.
Minha Santa Rita de Cássia rogai por mim.

VIII

Escrevo melhor quando vem o medo do óbvio: o medo de sentir medo.
Sou uma farsa de força.
Sou fraca, sou nada.
Sou forca.
Noite após noite as entrelinhas das minhas confissões dizem o que a minha cama sabe, os meus travesseiros, cobertas, pijamas e cremes noturnos também.
Preciso sempre de um livro à mão, do abajur à minha direita aceso, de meio Olcadil e meio copo d’água sobre o meu criado, fiel confidente, sempre mudo.
Na sua falta, preciso de alguma luz. Tenho medo de que, com a noite, a sua lembrança se esgote, de que eu não o encontre mais nem em meus sonhos, de que a luz se vá e me apague.
Tenho horror à idéia de acordar e não me encontrar entre os meus lençóis.
Suores noturnos são o perfume que concedo à noite após a pele, após o pêlo, após o sonho ou o pesadelo. Quero apenas tê-lo, e você sabe disso.
Escrevo melhor por saudade, tanta saudade... Rastro que me delata por onde passo.
E é tudo tão evidente!

IX

O nosso abraço foi assim, justo, apaixonado...
Eterno abraço!